Bom, a saga continua. E desta vez a problemática veio de outro lado. Como eu havia falado aqui e aqui, consegui uma procuração para cuidar da parte financeira da vida da minha tia. Na semana passada, meu pai biológico botou novamente em cheque a decisão dela de deixar a procuração em minhas mãos. Mas desta vez não foi só ele.

Minha tia possui uma amiga de infância, que é como uma irmã para ela. O grande problema é que ela esteve ausente e afastada do país nos últimos tempos, cuidando de filhos e netos que estavam no exterior.

Ao chegar aqui, viu a situação toda e achou um absurdo a procuração. Chegou inclusive a cobrar o fato da minha tia nunca ter feito um exame de DNA para comprovar nosso parentesco sanguíneo (mesmo eu tendo os traços de rosto idênticos aos do meu pai biológico), falou que eu teria poderes para coloca-la em um asilo, me apossar de tudo e outras coisas nesta linha. E eu conheço esta amiga há quase tanto tempo quanto eu conheço a minha própria tia.

Novamente lá estava eu, pela segunda vez em menos de um ano, tendo que me provar uma pessoa confiável. Uma pessoa correta, que não estava tentando levar vantagem, me aproveitar da situação ou mentindo em relação aos meus interesses e atos. Não importa toda a sua história de vida, é a mesquinhez natural ao ser humano que baliza as análises e decisões dos outros em relação à você.

São doze anos lá ao lado ajudando a minha tia. Doze anos dando apoio a uma pessoa que “caiu” na minha vida. Já encontrei-a idosa, com um AVC e um infarto no histórico médico, debilitada fisicamente. Não passei a fase de “troca” aonde a pessoa mais velha ampara a mais nova e depois a mais nova (o que deveria ser o esperado), ampara a mais velha. Hoje em dia, inclusive, sou eu que pago a maior parte dos custos com a enfermeira que cuida dela.

Passei parte deste final de semana e começo da mesma em contato com esta amiga. Depois de muito conversar, mostrar e demonstrar, consegui deixar as coisas mais tranqüilas, mas deu um certo trabalho e foi muito desgastante. Mas eu entendo a postura dela. Já tive que ouvir um amigo (na verdade, um ex-amigo) jogando na minha cara que eu só cuidava da minha tia por conta de herança. Se uma pessoa do seu convívio praticamente diário te vê com este tipo de ótica, porque não uma pessoa pouco conhecida que estava distante?

É uma análise de valores complicada, e devo admitir, ilógica na prática. Me lembra uma passagem de um episódio do House M.D. (3ª temporada, 14º episódio – Insensitive). Foreman (que tem a mãe com Alzheimer’s) debate com Cameron (que se casou com um homem com câncer terminal, que faleceu 6 meses depois do casamento) sobre compromisso e sacrifício:

Cameron: Como você pode saber se eu não tive um amor de verdade?

Foreman: Você casou com um homem que estava morrendo. Você pensou: “6 meses, 1 ano será difícil, mas vou me recuperar e terei o resto da minha vida pela frente”. É como pegar gripe a contragosto ou se juntar a Cruz Vermelha – é a curto prazo.

Cameron: Matou a charada! É como um péssimo final de semana.

Foreman: Os sacrifícios que fez, foram enormes. Mas foi o ponto alto do seu amor por ele. Comprometimento só é comprometimento porque não tem data de validade. Fique 30 anos convivendo com os defeitos de alguém, como meus pais e depois fale de sacrifício. Este é o verdadeiro amor.

Foreman: Cameron, eu não estava te criticando. Aqueles que evitam compromissos são os que sabem o quão importante eles são.

Já debati parte disso inclusive com a Adri (esposa do Rique). Eles estão com uma filha (a Maya) agora com 10 meses de idade. Em certos aspectos eu estou passando por um processo semelhante ao deles, de interagir e cuidar de uma pessoa que por vezes tem dificuldades de te entender (e ser entendida), que precisa de uma atenção constante, que não possui (ou no caso não possui mais) discernimento para diferenciar certo do errado, que “consome o seu tempo”, que precisa ter as fraldas trocadas, que precisa ser carregada de um lado para o outro, pois não consegue andar.

A diferença básica no meu caso é que não vou passar pela parte boa de ver a pessoa crescer, ganhar autonomia e futuramente dividir as coisas do dia a dia com você. Quem sabe até futuramente cuidar de você quando vier a precisar. Neste ponto, rebato para o filme “O Curioso Caso de Benjamin Button”, aonde esta inversão é tratada de forma belíssima. Para aqueles que ainda não assistiram, recomendo imensamente. Queria muito vê-lo novamente, mas acho que preciso de um tempo para conseguir encara-lo de novo.